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Este, trata-se de um post há muito devido, a aguardar maior clarividência e mestria de prosa do autor. Como estas últimas demoram a chegar e o tributo não podia esperar mais tempo, aqui fica esta humilde mensagem acerca de um realizador/argumentista/actor nada menos que genial.
John Cassavetes não é um realizador qualquer aos olhos dos cinéfilos e, bem assim, mesmo do grande público. É conhecido por estes últimos não sabem bem eles porquê. Desconfio, eu, que será, essencialmente, pela sua carreira de actor e, mais propriamente, pela sua participação nos clássicos intemporais “Dirty Dozen” e “Rosemary’s Baby”.
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Esta visão redutora é, no mínimo, injusta e penalizadora para quem não se dedicou a descobrir a sua verdadeira vida – a de realizador.
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Na verdade, Cassavetes – como ele próprio bastas vezes revelou – apenas actuava em filmes alheios como forma de angariar fundos para os seus próprios projectos. Era excelente actor, atenção. Desenganem-se aqueles que correriam já a colocar-lhe um rótulo de equiparação a Rob Reiner’s, Sidney Pollack’s e quejandos. Não poderiam estar mais longe da realidade. Cassavetes é, para mim, o realizador por excelência, mas, enquanto actor, conseguiu sempre “roubar” o protagonismo às alegadas estrelas, vide os dois títulos que mencionei supra.
Certo é que, contudo, não vale a pena gastar mais tempo com a carreira de actor de Cassavetes quando há tanto para explorar na sua vertente de realizador.
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Neste campo atribuem-lhe o epíteto de “pai do cinema independente”. Consigo perceber porquê, mas considero que também esta classificação não faz jus à sua inequívoca genialidade. Cassavetes realizou cinema independente, não há qualquer dúvida, mas só se interpretarmos o termo como representativo de um cinema “low budget”. Pequeno, só mesmo o seu orçamento, porque tudo o resto é grandioso.
Comecemos pelo seu primeiro filme, “Too Late Blues” (com Bobby Darin – sim, o cantor – como protagonista). Habitualmente, as primeiras obras são inferiores, resultado do primeiro impacto com o universo do cinema e da necessidade de apuramento ou afinação estética do realizador. No seu caso, a perfeição estética era inata e a sua personalidade funcionava como couraça para o tal impacto Hollywoodesco. Assim sendo, do seu primeiro projecto – tão injustamente esquecido – resultou uma verdadeira pérola da sétima arte. Eu só há meia dúzia de anos é que o consegui ver, numa retrospectiva da Cinemateca e ainda não o consegui comprar em DVD.
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Tudo o que se lhe seguiu serviu apenas para confirmar a mestria que Cassavetes havia demonstrado atrás das câmaras. Com temáticas sempre profundas, muito ligadas aos conflitos sociais e familiares, bem como ao estilo de vida americanos, depositou em todos os seus filmes um crivo único que torna hoje a sua visualização numa experiência actual e, mais do que isso, intemporal.
Veja-se um dos meus preferidos, “Husbands” como diálogos insuperáveis e muitos furos acima de qualquer argumentista contemporâneo, já para não falar do lote de actores, os gigantes Peter Falk e Ben Gazzara.
Veja-se o que muitos – devidamente – apontam como a sua obra maior, “Opening Night”, onde contracena com a sua mulher, a diva Gena Rowlands, uma das melhores actrizes do seu tempo, num filme que tem uma fotografia insuperável, como demonstra a “film still” que publico abaixo.
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Veja-se, ainda, o mais arrojado “The Killing of a Chinese Bookie”, outra vez com Ben Gazzara, no que foi o papel da sua vida.
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E poderia continuar infindavelmente até esgotar toda a cinematografia de Cassavetes, desde “Shadows” até ao seu último, “Big Trouble”.
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Todos excelentes! Não posso dizer que haja um filme de Cassavetes de que não goste e, mais ainda, que não seja uma obra prima.
Para quem se interessar recomendo a caixa da Critterion “Five Films” ou a sua parente (um pouco mais pobre) editada em exclusivo pela Fnac.
Como complemento, e para além dos títulos que referi, recomendo vivamente “Minnie & Moskowitz” (com edição portuguesa da Atalanta) e “Love Streams” (sem edição nacional).
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Para além do seu trabalho, o qual dificilmente poderá dissociar-se da sua vida – até a sua mulher participava em quase todos os seus filmes –, Cassavetes tinha uma faceta familiar muito marcada que, julgo eu, terá contribuído fortemente para a carga emocional do seu cinema, para além de ser um individuo alegadamente muitíssimo espirituoso, inteligente e divertido. Fumava três maços de cigarros por dia, o que acabou por matá-lo, mas segundo reza a lenda, poucos dias antes da sua morte, já doente o suficiente para não conseguir aguentar uma câmara de mão, ria-se a bandeiras despregadas durante a leitura do seu argumento “She’s So Lovely” com Sean Penn (filme que viria a ser postumamente realizado pelo filho, Nick Cassavetes, já sem a mestria e toque genial do pai).
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Para mim, John Cassavetes foi admirável em todas as componentes da sua vida – incluindo no seu estilo, aspecto essencial para este blog –, e a sua morte representou uma enorme perda para as artes.
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Ficam os seus filmes, as suas actuações, as suas entrevistas e a lenda que, inevitavelmente, se criou em seu redor, e que serve de influência a tantos realizadores e actores das mais recentes gerações, entre os quais o meu predilecto Vincent Gallo.
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Depois disto, acho que vou para casa, para uma maratona de Cassavetes.